O
cientista político português João Pereira Coutinho define o sistema de coalizão
brasileiro, que une partidos com ideologias tão diferentes, como um convite à
corrupção. É um atraso, segundo ele, a Câmara dos Deputados ser representada
por cerca de 30 partidos, o que não acontece em democracias avançadas, onde
predomina o bipartidarismo.
Nascido
na cidade de Porto, Coutinho compara a elevada dívida pública brasileira com a
portuguesa, que levou a economia dos patrícios à beira do colapso. “O
verdadeiro sábio é aquele que aprende com os erros... dos outros”, diz. Na
opinião dele, o Brasil não compreendeu que a combinação entre descontrole dos
gastos e baixo crescimento é a receita para o desastre.
Autor
do livro “As ideias conservadoras”, Coutinho defende o combate à pobreza, mas
alerta: o Estado não é babá dos cidadãos. Declarado conservador, João Coutinho
é jornalista, escritor, historiador e doutor em ciência política. Dá aula na
Universidade Católica Portuguesa. E é comentador do Correio da Manhã.
Por que um livro sobre as ideias conservadoras?
João - O
conservadorismo é apenas uma ideologia moderna, como o liberalismo ou o
socialismo, e o objetivo do livro era apresentar essa ideologia, sem
proselitismos, para dissipar caricaturas ou equívocos.
Há espaço na política para conservadores? O que seria um
conservador?
João - Qualquer
sociedade democrática e pluralista tem que ter espaço para vozes dissonantes.
Só ditaduras procuram silenciar o adversário. Um conservador, por exemplo, é
alguém que entende a política como um serviço prestado ao público e não como
uma forma de nos servirmos dos recursos públicos. É alguém que entende
seriamente a importância de reformar - a economia, a legislação trabalhista, a
fiscalização -, de forma a tornar o seu país mais competitivo e,
consequentemente, mais justo. Porque só pode existir justiça social se existe
criação sustentada de riqueza.
Como o conservadorismo trata questões como união gay e aborto?
João - Depende.
Existem conservadorismos, no plural, e cada um pode tratar desses assuntos de
maneira diversa. Se perguntarem a um conservador de tendência mais libertária o
que ele pensa a respeito dessas matérias, ele dirá que a união gay e o aborto
são assuntos individuais, onde o Estado não mete a pata. Um neoconservador,
pelo contrário, dirá que a defesa dos valores morais é tão ou mais importante
do que quaisquer outros porque são os valores morais que sustentam uma
sociedade.
Na recente eleição brasileira, houve um intenso debate sobre
direita e esquerda, liberais e socialistas. Por que os políticos com pensamento
de livre mercado são demonizados, são vistos como ditadores?
João - Porque
o mercado assusta mentalidades concentracionárias. O que é o mercado, afinal? É
um espaço de livre troca, não apenas de produtos ou capitais - mas também de
ideias. Por isso as ditaduras tendem a abolir o livre mercado. Porque elas
sabem que, circulando ideias, isso representa um perigo para a manutenção do
poder autocrático.
Como o senhor vê o Congresso brasileiro, representado por cerca
de 30 partidos políticos?
João - Como
um sintoma de arcaísmo. Já escrevi aplaudindo um texto de Sérgio Dávila onde
ele defendia, com lucidez e coragem, o bipartidarismo. Basta olhar para as
democracias mais avançadas do mundo e contar o número de partidos com
representação parlamentar. Não encontra nenhum caso com 30 partidos.
Como o senhor encara o sistema de coalizão no presidencialismo,
que geralmente une partidos tão diferentes ideologicamente?
João - Como
um convite para o atavismo reformista e para a corrupção.
Como funciona em democracias mais maduras?
João - Em
democracias maduras, há partidos que ganham eleições; que podem eventualmente
fazer coligações com um ou dois parceiros menores de forma a constituir
governo; e que no fim do mandato são julgados por isso. A tradição “gelatinosa”
do Brasil é uma originalidade – e um desastre.
Portugal paga um alto preço atualmente por causa da elevada
dívida pública. O mesmo começa a acontecer aqui. Que lições o Brasil deveria
aprender com os portugueses?
João - Alguém
dizia que o verdadeiro sábio é aquele que aprende com os erros… dos outros. O
Brasil deveria aprender com Portugal que a combinação entre descontrole dos
gastos públicos e crescimento econômico anêmico costuma ser receita para o
desastre.
No mundo, a população depende tanto de programas de
transferência de renda como ocorre aqui no Brasil?
João - Desconfio
que não seja possível comparar a pobreza europeia à pobreza brasileira. Agora,
o modelo de bem-estar social europeu, que emergiu depois da Segunda Guerra
Mundial, está a atravessar uma crise de existência por vários motivos. A Europa
não cresce como na segunda metade do século XX. A população está a envelhecer e
os encargos sociais são enormes. Os governos foram alargando os benefícios sociais
quase até ao delírio. São lições importantes para o Brasil. É necessário evitar
extremos de pobreza e algumas conquistas sociais são preciosas. Mas o Estado
não pode ser a “babysitter” dos seus cidadãos em todos os aspectos da
existência.
Como o senhor encara a crise econômica que afeta os países de
primeiro mundo?
João - Não
estou particularmente otimista em relação à Europa. Mesmo o motor do
crescimento europeu, a Alemanha, está a sentir nos ossos que a crise dos outros
representa uma ameaça. Mas a culpa da crise não está na Alemanha; nem sequer,
em rigor, no Euro e na sua defeituosa construção. Está na irresponsabilidade de
vários governos que acreditaram que uma moeda forte os protegia de crescimentos
fracos, facilmente sustentados por endividamento.
O brasileiro foi às ruas em meados do ano passado manifestar
contra os péssimos serviços públicos. O europeu tem mais hábito de protestar.
Como o senhor vê essas manifestações?
João - Não
há a mesma tradição de protestos. Muitos europeus ficaram espantados com as
manifestações brasileiras, mas é óbvio que as manifestações fazem parte do DNA
da democracia brasileira. De resto, é positivo que a classe média queira mais e
melhor – na saúde, na luta contra a corrupção, no ensino. O que não é positivo
é esperar essas melhorias do mesmo poder político que levou o Brasil ao impasse
em que se encontra agora.
*Publicado na edição
190, do Jornal do Comércio, que circulou quinta-feira passada
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